Brand New Cherry Flavor/Vingança Sabor Cereja: Terror ou Drama Surreal, o importante é chocar e entreter.

 



Direção: Lenore Zion e Nick Antosca
Elenco: Rosa Salazar, Catherine Kneer, Eric Lange, Jeff Ward
Gênero: Terror e Drama

Lisa Nova é uma aspirante a diretora de cinema brasileira que vai para Los Angeles em busca de sua grande chance quando um produtor que já foi um grande nome a convida para uma entrevista sobre seu curta e ela se vê enredada em um mundo de trapaças, intrigas, sedução e perigos que vão muito além da lógica e do mundo físico.

Após ver o primeiro episódio é simplesmente impossível parar. Se você for como eu, e tiver que dar uma pausa por algum motivo, as cenas e perguntas irão martelar na sua cabeça até que volte a assistir o desenrolar dos acontecimentos.

O que é instigante no roteiro?

Ao mesmo tempo que é bem previsível: mocinha quase ingênua, homem experiente com aparente arrogância e tendência ao abuso, uma personagem de índole duvidosa, mas que parece ser a única real e útil aliada da protagonista, ao desenvolver esses fatores e a correlação entre eles, sai do que seria o esperado. Lisa é sim, bastante ingênua, mas não tem nada de doce ou afável, somente está em terreno desconhecido, o de negócios cinematográficos. Ela sabe fazer arte muito bem, vendê-la e vender-se é que ainda não sabe. Quando encontra Lou Burke, o produtor que já fora um grande nome na indústria, mas não emplaca um grande sucesso a anos, ela não se deixa levar pela imposição e postura de chefe durão. Lisa é quase tão arrogante quanto ele, aliás.

A série (ou minissérie, já que está listada a primeira temporada, alguns personagens não têm bem um fim definido, porém a estória pode sim muito bem se fechar nela) possui o tamanho e duração já considerados o padrão atualmente: oito episódios com cerca de quarenta, cinquenta minutos cada um.

O ritmo é bom, com somente algumas irregularidades aqui e ali. 

No entanto, nada é mais pungente nessa obra do que o surrealismo que serve como combustível e motor para o drama, que, aliás poderia ser melhor explorado. Já explico.  


Antes, uma propaganda do Guaraná Antártica
Sim, precisava falar disso, pois fiquei igual uma idiota apontando pra tela "olha o guaraná!"


O surrealismo que ajuda a desenvolver o drama com psicodelia

Muitos filmes e séries usam o surreal como ferramenta para emoldurar melhor o drama que algum personagem passa. Repulsa ao Sexo(1965) é um exemplo formidável disso. Uma mulher reprimida sexualmente vai gradualmente entrando num estado paranoico e suas alucinações vão tornando-a violenta e perigosa.
Na série, o sexo não tem nada de reprimido. Se tratando da Los Angeles dos ricos e famosos, também, não poderia ser diferente. Porém, não chega a ser um elemento repetitivo ou feito com apelação. Está lá, faz parte da vida dos personagens, eles gostam, eles praticam, ponto.
O uso de drogas e a ambientação da década de 90 também estão ótimas.
Normalmente quando se faz uma obra que se passa nessa época, enfiam flanela e couro em todos os figurinos e tocam um hit nostálgico atrás do outro, quase como que berrando na sua cara o tempo todo que você está naquele período. Aqui, não. As boas músicas aparecem oportunamente, e até ajudam a mostrar o que está acontecendo e os sentimentos do momento.

As drogas também tem um papel decisivo e nada forçado. Assim como em Midsommar(2019), depois de pensarmos um pouco, chegamos à conclusão de que a protagonista não teria tomado certas atitudes e decisões se não estivesse sob efeito de drogas. Não que seu ressentimento e sede de vingança fossem fracos ou ela fosse induzida facilmente a erros, mas é claro que, ao ver certos resultados, ela percebe que se equivocou em não contar com atingir terceiros, coisa, que, no decorrer da série, vemos que ela, sóbria, conta sim.    


Eu doidona? Magina, sou de Jesus.

Porém, não só de acertos vive Vingança Sabor Cereja/ Brand New Cherry Flavor. No início a série deixa claro que Lisa possui um passado enigmático até para ela e problemas maternos profundos e não resolvidos. Sua falta de tato com a maioria das pessoas e o quão desesperada ela fica ao ser passada pra trás a ponto de confiar em uma desconhecida, são indícios do quão sozinha ela está. No entanto, por mais que se compreenda isso no subtexto, não é tão bem explorado como aquela solidão e o vazio deixado pela mãe a motiva, como todo aquele turbilhão emocional a leva a ser como é e fazer o que faz e como faz. Senti falta de uma certa clareza neste sentido no roteiro, e com certeza, se não fosse pela atuação de Rosa Salazar, muitas nuances da personagem ficariam com lacunas.
 

Atuações que fazem a diferença

Catherine Kneer é uma dessas atrizes que, ao ver na tela, a gente intui que a obra é boa, caso contrário, ela não estaria lá. Normalmente é assim mesmo. Aqui ela é Boro, uma mulher misteriosa com fama de bruxa e que, assim diz, pode ajudar Lisa a se vingar de Lou Burke, o produtor que a engana. 
Catherine não transparece nada além do que é necessário para, tanto audiência quanto protagonista perceber o quanto Lisa vai se estrepar se confiar naquela figura estranha (pra dizer o mínimo). Ora maternal, ora sádica, Boro não deixa claro o que ela realmente quer, quem é e nem o porquê está tão solícita em ajudar uma menina tão complicada. Quando as razões vão se desvendando, ainda assim, é um pouco difícil deixar a afeição pela personagem ir embora de vez, graças ao carisma da atriz. 

Rosa Salazar chamou bastante atenção quando fez Alita, Anjo de Combate(2017). Mesmo com uma tonelada de efeitos especiais, os olhos expressivos e a facilidade de interpretação da atriz foram responsáveis por levar muita gente ao cinema na época. O filme em si é bom, ótimo, no entanto, ele dependia de uma protagonista competente para ser um sucesso, e assim foi. 
Por várias cenas seguidas temos tomadas e mais tomadas de enquadramento nos olhos de Salazar, e, por mais que eu entenda quem possa julgar cansativo tal recurso, também compreendo a direção, se fosse eu a diretora, provavelmente o usaria mais ainda, até.
A personagem é bem escrita, isso certamente ajuda a atriz a dar o seu melhor. Lisa é inteligente, atrevida, interessante, não se deixa abater nem comete tantos erros estúpidos como muitas protagonistas de obras de terror/suspense.
Rosa poderia funcionar no automático, e fazer o mínimo que conseguiria ser razoável, graças à expressividade do seu olhar único, porém, a atriz vai muito além disso e exprime ira, mágoa, soberba e até crueldade ou humor (sim, tem alguns momentos engraçados, embora sejam de um humor um tanto quanto peculiar) de forma profunda, mas não excessiva. Espero vê-la mais vezes.

Todos os outros atores estão ótimos também. Eric Lange convence como o produtor Lou Burke, outrora no auge e carecendo agora de um mínimo de caráter, Jeff Ward interpreta muito bem Roy Hardaway, um ator famoso com desejos autodestrutivos, bem estilo Johnny Depp década de 90.
 
A fotografia que "fala"

Uma boa fotografia é marcante, pois conversa com o espectador, ajuda a contar aquela estória, usada sem excessos ou escassez, é uma das melhores maneiras de mostrar e deixar o espectador compreender camadas não tão óbvias do roteiro. Nesse caso, a fotografia foi muito bem utilizada. O vermelho vem nas cenas onde o sangue, o sexo e a raiva estão mais evidentes, os tons de cinza, mais fechados deixam implícito quando o tom sombrio se adensa. Tons de verde e amarronzados rementem a cenas em que a natureza está envolvida, e como ela é parte de alguns personagens, não só do meio ao redor deles.

Em suma, uma série intrigante, que, sim, poderia ter um drama melhor solidificado, mas que ainda assim, entretém, assusta, mas não em demasia, não subestima a inteligência do espectador e tem uma boa dose de surrealismo e elemento fantástico. 
                                                                                                                


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