Profecia do Inferno: Quem precisa de capeta com o ser humano pra infernizar a vida?





Título original da série: Jiok

Direção: Sang-ho Yeon

Roteiro: Sang-ho Yeon e Kyu-Seok Choi

Elenco: Yoo Ah-in, Kim Hyun-joo, Jeong Min Park, Chase Yi, Jin-ah Won, Harrison Xu, Ik-joon Yang, Ryu Kyung-Soo, Do-yoon Kim


Baseada na webtoon Hell, de Kyu-Seok Choi, que também assina o roteiro junto do diretor Sang-ho Yeon (do aclamado Invasão Zumbi/Train to Busan), a série estreou dia dezenove de novembro na Netflix e já mobilizou a mídia especializada e boa parte do público ao chegar com tudo na plataforma. 

Sang-ho Yeon não tem tempo a perder, não vê razão para estender o suspense. É simples e direto. A tensão está ali, no seu máximo do primeiro ao último minuto da série, mas não há postergação de acontecimentos em nenhum momento. Tem sempre algo se desenvolvendo. 

Porém, porque a produção galvanizou a atenção de crítica e público tão rápido e de forma tão profunda?

Vem, que vou ao menos tentar, te responder:

                                  O "anjo" que avisa quando os três emissários do Capiroto vem te pegar

Sinopse e cenas iniciais arrebatadoras

Numa cafeteria da Coreia do Sul, um grupo de jovens assiste um vídeo onde um também jovem pastor (padre, líder, tanto faz), presidente do Grupo Religioso Nova Verdade discorre sobre um fenômeno que vem se tornando cada vez mais comum: uma pessoa tem um "aviso" de um "anjo" de que ela morrerá em certo dia e horário, e sua alma será levada ao Inferno. Na data marcada, aparecem três monstrengos executores e matam, aliás, não só matam, mas liquidam brutalmente o condenado (se o infeliz vai pra terra de Lulu, não sabemos). Enquanto o grupo discute a veracidade do que estão assistindo, outro homem olha incessantemente para o celular, enquanto treme e sua em bicas. Ele está prestes a ser executado e (aparentemente) levado para o colo do Tinhoso (realmente queria conseguir falar disso de forma séria, mas falho miseravelmente toda vez).

O que se segue é um pandemônio: A Igreja da Nova Verdade (o nome já esclarece o seu real intuito, mas vou deixar que você, por si, ao assistir, chegue a essa conclusão) deixa claro que isso só está acontecendo, pois, o ser humano ignora a Palavra de Deus sistematicamente a tempos, e agora Ele teria feito um gesto mais "direto". Na visão da seita, é um xeque-mate, uma última oportunidade de correção e redenção da humanidade. 

O contra-ponto do líder da Igreja Jeong Jin-Soo, interpretado com perícia considerável de Ah-In Yoo, é o detetive Jin, feito muito bem também por Ik-joon Yang. O detetive e uma grande parcela da população busca uma explicação plausível para o que para eles são assassinatos e procuram uma maneira de encontrar os responsáveis pelas matanças. 

Conforme o tempo vai passando, as "sentenças" vão se tornando cada vez mais frequentes, as pessoas vão, num período curto de tempo, porém grande de "provações" deixando o desespero tomar conta e, tornam-se mais cativa das palavras da Nova Verdade, e mais submissas ao que o grupo extremista da própria igreja (embora não-oficialmente) prega como punição, fazendo com que a sociedade coreano, se torne mais um Estado Teocrático, proibitivo e manipulador (e covarde, no momento que um grupo se intitula "dono da verdade e do correto" e decide combater violentamente o que julgar errado. Ainda bem que é ficção, né? Ufa!) do que democrático de direito. 

Aliás, o Arrowhead, grupo extremista da Igreja da Nova Verdade tem o youtuber mais irritante que eu já vi. Entendo o propósito do personagem, e, porque ele é o porta-voz do grupo na rede, mas era mesmo necessário ser tão cansativo?

Essa atmosfera cada vez mais claustrofóbica e castradora vai desgastando e, simultaneamente, instigando o espectador a querer, e precisar saber como aquilo irá se desenvolver e onde aquela torrente irá desembocar. 


                  A seita da Nova-Verdade que lembra o Cristianismo, mas nega coisas básicas da Bíblia, como o pecado-original. 

Arcos e sub-arcos dentro de uma só temporada

A expectativa por conclusões não demora a ser sanada. Assim como em Round 6 ou Jogo da Lula, o andamento é constante e somente algumas questões maiores é que se demoram a responder. Inclusive, aqui acontece uma coisa que não via tão bem executada desde Doctor Who: os arcos e sub-arcos em uma só temporada. 

Se o embate entre Jin e Jeong é o ponto alto do início, ele certamente não é o único. Há uma grande e profunda mudança do terceiro para o quarto episódio que te pega de uma maneira quase intoxicante e, nessa altura acaba tudo que você poderia já ter entendido. Qualquer certeza que se tinha, já não tem mais. 

Isso poderia muito, mas muito mesmo ser um passo pro abismo se roteiristas e, sobretudo o diretor (que, nesse caso também é um dos roteiristas) não soubessem conduzir a narrativa de forma inteligente. 

Uma coisa que me incomodou, mas num bom sentido e que nunca experimentara no audiovisual antes, foi a sensação de terror crescente de se viver num Estado Totalitário, onde vai se tornando caótico e impraticável ter o mínimo de liberdade, tornando a vida cotidiana um tormento. O mais incrível é que, na única vez que senti tal sufocamento, lendo o clássico de George Orwell, 1984, se tratava realmente de uma ditadura governamental. Na série não! Não há um golpe, uma tomada de poder. A população, por se sentir desesperada e perdida é que, por vontade própria, se deixa manipular e cai na barbárie disfarçada de prática de fé que a Igreja da Nova Verdade prega. É uma ditadura permitida, autorizada e mantida pela própria população. Seria absurdo se não fosse tão perigosamente real.

A "condenada" esperando o "julgamento" diante da plateia: doentio sim, realista também.


Atuações Impactantes

Além de uma direção altamente competente e um roteiro, no mínimo, muito bem escrito, as atuações são de uma destreza invejável.

Já disse como os atores que interpretam tanto o líder da Seita, quanto o detetive que julga estar diante de uma farsa são ótimos. 

Certamente não fui a única, mas o desempenho que mais me cativou foi da atriz Hyun-joo Kim, que interpreta maravilhosamente a advogada Min Hye-jin. Na sua interpretação minimalista e discreta, Kim passa na desolação do olhar, o desespero que a personagem sente ao ver o mundo sendo engolido tanto por um fenômeno ilógico quanto pela sordidez da manipulação do desespero humano.  

As mudanças e reviravoltas nas quais Min é peça-chave seriam um desafio pra qualquer atriz. Sua trajetória poderia ser chamada vertiginosa, até. Porém Kim detém tanta clareza de raciocínio e é tão sóbria quanto o papel que desempenha, que tamanhas mudanças, apesar de percebidas, são sentidas com naturalidade. 

                                                                    Hyun-joo Kim, virei sua fã.

Não é como se Yeon reinventasse a roda, mas os caminhos que percorre com ela, e o jeito que ele a manuseia é de quem a sabe movimentar muito bem. E movimentar mesmo, pois a maneira como ele lida com a câmera, ora filmando de um ângulo só, ora acompanhando os atores como se fosse um documentário onde o cinegrafista corre com o elemento a ser documentado (para os mais velhos: como se estivessem vendo uma matéria do Aqui e Agora, com Gil Gomes), de forma frenética e tornando tudo mais angustiante, mais uma vez, poderia dar muito errado, porém, ele faz dar certo. 

Não me lembro quem disse isso, mas é (ou era) comum no futebol ouvir a expressão "foi na bola como quem vai num prato de comida", e acredito que seja o estilo da direção de Yeon: Faminta! Uma direção sufocantemente faminta, porém, de alguma forma, ainda sóbria e racional. Um diretor que sabe evocar e explorar os fatores que causam a miséria humana, que consegue construir um cenário desesperador, no qual insere um só elemento fantástico/sobrenatural, e, no entanto, o trata de forma realista, e que daí, extrai o melhor da reflexão necessária para o entendimento do caos gerado por tais situações.  

Dito isso, só espero que essa crítica tenha feito jus ao tamanho talento do diretor, roteiristas, atores e equipe técnica e te convencido a pelo menos dar uma chance à Profecia do Inferno. 

                                                                                                                    Nota: 8.2


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