Marighella

 


Direção: Wagner Moura
Elenco: Seu Jorge, Bruno Gagliasso, Luiz Carlos Vasconcelos, Humberto Carrão, Bella Camero, Rafael Lozano, Jorge Paz, Adriana Esteves, Herson Capri. 
Roteiro: Felipe Braga e Wagner Moura 
Produção: Wagner Moura, Andrea Barata Ribeiro, Bel Berlinck

Segundo muito mais pessoas do que seria de esperar, qualquer filme do cinema brasileiro que não seja aquela comédia escrachada como as que Leandro Hassum protagoniza, acaba virando sinônimo de panfletagem da esquerda. Algumas vezes tal rótulo é correto, mas outras é puro preconceito, e há casos em que tem sim, certa propaganda enviesada, porém não somente, há também uma história. E, em Marighella, que estreou dia 4 de novembro nos cinemas do Brasil, a história é bem contada, e o viés não tem a intenção de manipular o espectador, mas somente dizer: "é isso que eu penso, pra mim é assim, não te escondo, não te engano. Esse é o meu lado. Você pode ter o seu. Mas esse é o meu. Só estou te apresentando, não te obrigando a concordar"

Não vou aqui falar sobre a política nacional nem sobre o período no qual o filme se passa. Simplesmente falarei da obra cinematográfica. Talvez possa dar meu parecer sobre uma ou outra situação após escrever tudo sobre a produção.

A direção estreante e competente de Wagner Moura




Wagner Moura tem uma extensa filmografia como ator, e já trabalhou com diretores brilhantes. Seria simplificar muito dizer que ele somente observou o trabalho alheio e emulou o estilo de José Padilha no próprio longa. Não é bem assim. Existe a "câmera nervosa" de Padilha e um pouco de quebra da quarta parede, porém não só disso vive o longa-metragem de Moura. Planos-sequência, que, embora tenham se tornado um lugar-comum recentemente, aqui são bem utilizados, em sua maioria. 

Embora eu precise admitir um detalhe que me incomodou um pouco. Por vezes, a câmera se aproxima demais dos atores, para passar a ideia de inserção na narrativa, e mesmo entendendo o porquê do recurso, em algumas cenas isso me irritou e, dado o tamanho da duração do filme, duas horas e trinta e sete minutos, me pareceu excessivo. O certo, pra mim, teria sido cortar algumas dessas intervenções, ou enxugar a extensão do enredo.

No entanto, se me perguntassem "Enxugar aonde? Como?" Já não saberia responder. A história é bem contada. A distinção entre fatos históricos e as alterações ficcionais são bem delineados. 
Porém, mudar o nome do delegado que existiu (Sérgio Fleury — me dá arrepio e engulho só de escrever o nome), perseguiu e matou Marighella (mas não só ele), para um Lúcio aleatório, não me agradou, mesmo compreendendo que, talvez, Moura quis, em simultâneo, não dar espaço para essa figura real, e não se estender ainda mais, o que seria quase impossível, ao passo que teriam de haver explicações sobre o homem e sua "função" (se é que ser torturador e executor é realmente uma função).

A ação frenética, a tensão que permeia todo o filme, e a ansiedade de saber como tudo vai se desenrolar (porque acabar, todos sabemos como acaba, os fatos, todos conhecemos) são muito bem conduzidas pela direção, que consegue ser muito mais sóbria do que eu esperava. 



Porque alguns críticos estão amuados? 

O filme não é uma cinebiografia nos moldes convencionais. Não se trata de Marighella, se trata de sua luta. E mesmo essa luta não é registrada por completo. É escolhido um período, um recorte que simboliza toda a razão de ser do "movimento revolucionário" do qual é líder. Tal escolha tem seu lado bom e ruim. 
Não focando somente no personagem-título, pode passar, a alguns, uma ideia confusa do porquê tantos, sobretudo jovens, seguem suas ordens e comandos tão cegamente. Mas, vendo por um prisma positivo, ao se abrir o leque dos companheiros, percebe-se que, para muitos, viver numa ditadura não era viver, era somente existir, daí desejar e lutar por uma revolução se trata somente uma escolha sensata. 
As minhas impressões foram que, em poucas cenas, nas quais todos estão ao seu redor, ele emana aquela aura carismática e até sedutora que tanto vemos em presidentes populares, artistas, e líderes religiosos. Marighella não era um ignorante, um bruto. Sabia usar bem seu dom de oratória, foi deputado, poeta, escritor, portanto, sabia usar as palavras muito bem. Numa situação caótica como era a época, sua liderança soa até reconfortante para os demais.

O que vejo dos críticos que estão maldizendo o filme, em geral é, ou melhor são (pois são dois polos distintos): 
*O filme deveria ser mais incisivo e dizer mais sobre o que se trata mesmo.
Nesse caso, só lamento, pois, o que eles buscam seria talvez a pior coisa que poderia ser feita, e causaria o efeito contrário que julgam. Falando em bom português.: Esses críticos são os que querem se assumir esquerdistas radicais e desejavam que o longa-metragem fizesse isso por eles, e em consequência arrebatasse a população para apoiarem suas ideologias. Devo alertá-los, colegas, que isso não aconteceria, e volto a dizer: teria o efeito oposto. 

E também:
*Wagner Moura, que é assumidamente da extrema-esquerda, faz somente uma propaganda política travestida de thriller de ação.
Quando vejo, escuto ou leio essa categoria de crítica, já espero que a frase seguinte seja mesmo sem assistir ao filme, pois, qualquer pessoa que tenha visto a obra não faz uma afirmação como esses meliantes que se dizem críticos estão fazendo. Wagner realmente não esconde para qual lado ele pende, e sim, o filme seria melhor se tivesse uma visão mais neutra, mais ambivalente, porém, isso não faz dele nem de longe um panfleto da esquerda. Bacurau é muito mais intenso nesse sentido.


As atuações

Como um ator dedicado que sempre foi, Moura como diretor deu espaço para que seus colegas fizessem o seu melhor, e a maioria fez mesmo. 
Vi na crítica da Isabela Boscov que ela achou o desempenho de Bruno Gagliasso, que interpreta o delegado Lúcio um tanto exagerada e que acredita que foi instrução do diretor, já que, na visão dela, o ator é naturalmente mais comedido. 
Não concordo. A atuação de Bruno não está over, está péssima mesmo. 
Forçada, caricata, terrível. E não me lembro de ter visto nada comedido em nada que ele tenha feito anteriormente. Não que eu desgoste do trabalho de Bruno geralmente. Contudo, raras vezes, quando o assisto, vejo o personagem em questão. É sempre o Bruno tentando ser alguma outra coisa. Sei bem que essa é uma opinião que muitos não concordam e tudo bem. Não sou profunda admiradora de muitos cuja carreira é ovacionada constantemente. Esse mesmo problema, de ver o esforço antes da atuação, também tenho com outros queridinhos, como Leonardo DiCaprio e Saiorse Ronan. 
 


Porém, se com Gagliasso só sentia aflição a cada cena na qual aparecia, o restante do elenco compensou divinamente com atuações incríveis e viscerais.
Humberto Carrão, excepcional, Bella Camero, muito bem (só um pouco afetada aqui e ali, mas nada em excesso e creio que a maioria das pessoas não notará isso), Herson Capri, numa participação tão fugaz quanto bem feita e, sua última cena, na redação do jornal, atendendo ao telefonema da filha, e o que ocorre depois, por mais curta e sucinta que seja a sequência, sem arroubos sentimentais, me levou às lágrimas. Adriana Esteves, sempre fenomenal, Jorge Paz, — ator que não conhecia —, brilhante, e Luiz Carlos Vasconcelos, estupendo como já é normal pra ele. E, lógico, Seu Jorge, que já é figura amada e conhecida tanto das telas quanto das rádios, está arrebatador. O homem tem mesmo um talento e carisma inigualáveis tanto para atuar quanto para compor e cantar. 



No mais, o filme sabe, na maior parte do tempo, conduzir a emoção, mas às vezes peca nos discursos inflamados, por não parecerem bem o que tal personagem diria naquela hora, mesmo que nos fatos reais, tenham sido ditas aquelas exatas palavras. A velha história da esposa de César não somente ter que ser honesta, mas parecer honesta. Não basta ser verdade, tem que saber passar verdade.

A fotografia é outro ponto positivo. Adrian Teijido (diretor de fotografia do filme) soube fazer com que não ficasse crua demais, mas também não descambasse para um refinamento excessivo que poderia transmitir articificialidade. 

Em suma:

Se é um bom filme, se o roteiro é bem escrito, bem executado e bem dirigido, porque não ir assistir?
Porque não compartilha da visão política do diretor? Sinto te informar, mas provavelmente seu diretor favorito (brasileiro ou não) tem a mesma posição de Moura, e a grande maioria dos artistas de todo o mundo e de todas as áreas (teatro, música, audiovisual, escrita), também. Ler "Minha Luta" (livro-manifesto escrito por Adolf Hitler) não faz ninguém virar nazista, assistir Marighella, certamente, não transformará ninguém em comunista.

Concordando ou não com o guerrilheiro, vá ver o filme. Prestigie o cinema nacional. Tire as suas próprias conclusões sobre a obra. 

                                                                                                                 Nota: 7.0


 
Alguns apontamentos:

Viver num país tão polarizado e com um histórico político tão absurdo, dolorido e covarde até, é um desafio pra quem não é nem tão lá, nem tão cá. A autora desse blog não é nem dos azuis, nem dos vermelhos. Não quero ditadura de volta (Oxalá nos livre!), mas também não tenho nenhum apreço pelas políticas mais voltadas para o socialismo. Admiro Wagner Moura como ator, e agora apreciei bastante sua direção (embora saiba que ela precisa de um pouco mais de refinamento), porém não compartilho de suas posições e opiniões políticas. 

Acredito que o dever do artista é somente fazer arte. "Mas então não pode ter uma ideologia? Artista não pode se expressar sobre política?". Pode, pode sim. No entanto, não deve exigir o mesmo posicionamento nem do público, fazendo trabalhos manipulativos e catárticos, com o propósito de arrebanhar seguidores para causas que julga corretas, nem de colegas, criando picuinhas em redes sociais ou mesmo pessoalmente. Na minha opinião, esses artistas deveriam mudar de ramo e entrar para a política ou virarem ativistas de vez. Irão, inclusive se sentir mais úteis e de fato irão "se encontrar", por assim dizer.

E, por fim, o que, na minha opinião (que pode mudar sim, conforme eu evolua e aprenda) está causando uma grande confusão é:

O grande problema do país, e, infelizmente, vem se tornando do mundo também, é esperar que uma só pessoa mude tudo sozinha. Não é possível. Não numa democracia. É necessário que além do presidente, seus ministros, secretários, e também senadores, deputados, prefeitos e governadores (também juízes de tribunais federais) ponham os interesses da população acima dos seus e trabalhem em conjunto. E, por mais que seja difícil a uma parte das pessoas admitir isso, a verdade é que não existe a ideologia perfeita que vá salvar a todos e ao planeta. Não é seguindo cartilha A ou B de ponta a ponta que teremos um país e um mundo desenvolvido, justo e igualitário. É muito mais uma questão de bom senso, concessões, raciocínio sóbrio e empatia que nos levarão ao futuro sustentável e digno que queremos para nós e as futuras gerações. No entanto para isso, é necessário largar a mão da ideologia que tanto lhes é cara. Até lá, viveremos essa turbulência polarizada que nos cerca. 


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