Viúva Negra: A espera valeu mesmo a pena?

 


Quando a personagem Viúva Negra foi introduzida no MCU, surgiram dois tipos de público: os que leram os quadrinhos e esperavam ansiosamente que ela tivesse uma apresentação digna e desenvolvimento bem feito, com direito a filme próprio, e os que gostaram da personagem, mas, por nunca terem visto nada dela antes, não esperavam muito mais, e se contentavam com Scarlett Johansson de collant preto de couro chutando bundas. Desnecessário dizer que o primeiro grupo de espectadores ficou decepcionado por muito tempo (desde 2014, pra ser mais exata). E para que tal decepção fosse sanada e o "pedido de desculpas" da Marvel para com a personagem valesse a pena, depois de a mesma já ter inclusive encerrado sua participação nos filmes, o projeto teria que ser irrepreensível sob todos os aspectos. 

E, pra isso, Scarlett fez de sua missão pessoal recrutar uma profissional da direção cinematográfica que sabe ser vigorosa, sabe filmar bem cenas de ação frenéticas sem parecer afobada nem deixar que o público fique perdido na pancadaria. E que tem também o dom de mostrar dramas reais de forma artística e poética. Cate Shortland, australiana, diretora muito bem vista por filmes como Lore(2012) e Berlin Syndrome(2017), mas que não tem, aparentemente, nada a ver com MCU.  Porém Johansson não arredou o pé até convencer a mulher a fazer o filme de sua personagem. E acertou. Em parte. 

O que não acertou, não é culpa da atriz nem da diretora. É do roteiro. Mas, como diria meu amigo Jack, the ripper/Jack, o estripador, vamos por partes.

No primeiro ato - que é, sem dúvida, a melhor parte do filme - já se tem uma imersão total no drama, se percebe que como eram crianças as meninas estavam completamente à mercê de estranhos e como elas de fato se apegaram àquela família. A total falta de opções quando tudo desaba, e se sente a covardia pela qual Natasha (na infância, vivida com vigor pela filha de Mila Jojovich, Ever Anderson) e Yelena (a já experiente e sempre fofa, Violet McGraw) passaram. As cenas com a versão cover cálida e melancólica de Smells Like a Teen Spirit  na voz de Malia J. são pungentes, emocionantes e revoltantes. Belíssima e inteligente a forma como se condensou os anos de treinamento (tortura psicológica e física, na verdade) em poucas tomadas. Você sente sim, mas quando percebe, elas se findam e você só fica com aquele choque e querendo abraçar as meninas e protegê-las pra que nada mais de ruim lhes aconteça.  

A sequência dos acontecimentos todo mundo sabe. Natasha eventualmente conseguiu se soltar das amarras que lhe oprimiam e passa a trabalhar para a S.h.i.e.l.d (que, depois sabemos, é um braço da Hydra) e vira uma Avanger.

Tal mudança de curso em sua vida gerou uma espécie de ressentimento na irmã mais nova, que nunca conseguiu conquistar sua liberdade. Um pouco graças à saída de Natasha da organização. `

No segundo ato - onde começa a profusão de clichês e a fórmula Marvel genérica se faz presente, mas ainda tendo sim, um pouco de personalidade aqui e ali -  Yelena conta à irmã que, após a ruiva escapar, se certificaram que isso nunca mais aconteceria, submetendo as meninas à um controle que ia além do psicológico, já que manipulava a química do cérebro delas. 

Por isso, e também por nunca tê-la procurado, o rancor indisfarçável para com Natasha, que fica claro  quando cita Os Vingadores de maneira irônica, ou até mesmo tirando sarro das poses que Nat faz nas lutas com os heróis (o que, na verdade, parece mais a diretora ridicularizando o gênero. E errada, não tá).

Natasha fazendo uma das poses das quais Yelena tinha debochado anteriormente

Mas após as contas serem acertadas, primeiro, numa pancadaria das boas, (muito melhor que a de vários filmes protagonizados por heróis masculinos) e depois em fragmentos de conversas, e confissões de ambas as partes, elas partem para a missão que é, destruir de uma vez por todas, o cabeça responsável por todo o sofrimento que elas e outras tantas meninas passaram. 
Para tal feito, elas precisam ir atrás do pai e da mãe.(Dane-se que era tudo fingimento. Na cabeça das crianças era real, então era) 

David Harbor, que passa a impressão de estar num parque de diversões, tirando férias de Stranger Things, super à vontade, e fazendo um ótimo Alexei Shostakov, que é o Red Guardian/Guardião Vermelho, uma espécie de correspondente soviético do Capitão América.  
Red Guardian foi uma forma que a Marvel encontrou de tirar uma onda com a Rússia e o comunismo. 
Sendo que, pra mim, Steve é tão patético quanto Alexei. Gosto da interpretação do Evans, e de algumas coisas do Capitão, mas no geral, aquele excesso de bom-mocismo só me irrita muito. Inclusive nos quadrinhos, prefiro a construção do personagem Tony Stark, cheio de defeitos e que vai crescendo aos poucos, se tornando uma pessoa melhor e um herói mais sincero. 
Detesto concordar com Nelson Rodrigues mas encontro verdade na sua frase "Por trás de todo paladino da moral vive um canalha". Pode ser só meu excesso de traumas? Pode. Mas por enquanto é assim que penso.

Aqui, o "herói russo" é somente um alívio cômico. Até suas tentativas de se desculpar com Natasha, e assim, ter um gancho dramático, acabam em comédia. Mas nada que fique fora de lugar, ou descaracterize o resto construído até aqui.

Até porque, se não houver piadas rasas, mal distribuídas e porcamente elaboradas, não é um filme da Marvel, não é mesmo?!

Elas são irmãs. Na minha cabeça a mãe delas teve a Nat sequestrada, e depois teve a Yelena e deu pra uma família, enquanto buscava resgatar a primogênita, mas a família Belova, que estava com a Yelena acabou sendo perseguida pelo regime e, de novo, sequestraram a menina da casa. Mim dêxa com os meu delírio! 

Melina Vostokoff (belamente interpretada pela quase-sempre-irretocável Rachel Weisz), mãe das meninas, quando interpelada pelas jovens, parece, assim como Alexei, convicta de que tudo o que fez foi por um bem maior e de que as causas pelas quais lutaram eram certas. O que é interessante, pois, mesmo com o discurso recorrente de não éramos uma família, era só trabalho, era nosso dever, a dinâmica familiar entre eles é inegável. O afeto e a leitura corporal de todos e cada um é perfeita, como se nunca tivessem se afastado um dia sequer. Por mais que tentem se convencer de que estavam do lado certo, tanto Melina quanto Alexei sentem um remorso profundo por terem entregue as meninas para um regime cruel e tirano.


Se isso não é uma família, eu sou uma abóbora!

                      
Aqui entramos no terceiro ato, e...bom...sei bem que não é a opinião geral. Normalmente, ou, pelo menos em muitos casos, eu não concordo mesmo com a opinião geral. Ou ao menos, em parte. 

Agora, a chuva de clichês e padrão-Marvel-de-fazer-filmes vira uma enchente que quase afoga tudo. Tem sim, boas cenas, tem sim, momentos até emblemáticos, porém engolfados num imbróglio pasteurizado de déjà vu.    

Se no segundo ato, eu já ficava me perguntando Será que o melhor já passou? Nesse, nem houve a indagação. 

Não é (tanto) que a fórmula Marvel seja horrível somente por ser genérica (aquela coisa, se você viu um filme da Marvel, viu todos - ou quase todos). É que, além de previsível, ela se tornou maçante. 

O terceiro arco, que tem mais ação, portanto deveria ser o mais dinâmico, ficou parecendo o mais lento, por se tratar mais uma vez, da mesma coisa vista trezentas vezes antes.  A única característica diferenciada, e melhor, foi a total ausência de machismo. 

Aliás, a Marvel está de parabéns por admitir-sem-admitir que retratava muito mal as personagens femininas e por estar ao menos tentando se redimir, aos poucos. E, sim, sabemos que é somente visando lucro, mas ainda assim, o esforço é válido.

Achou que eu esqueceria de falar dela né? Mas é nunca.

Porém, antes de adentrar na parte menos gostosa do doce, vamos falar da inglesa Florence Pugh(26 anos) dando um banho de interpretação com sua Yelena Belova.

Se Natasha é totalmente introvertida, com somente alguns momentos em que consegue se expôr, e quase totalmente racional e lógica, que poderia passar uma impressão de frieza (e se feita por uma atriz menos competente, perigaria ficar robótica), Yelena já é mais extrovertida (no limite que pode ser extrovertida uma mulher torturada a vida toda, que nunca teve autonomia sequer pra comprar uma roupa pra si - não à toa, ela aparece com anéis em todos os dedos na cena pós-crédito, uma forma simples e direta de mostrar que agora ela dona de suas próprias decisões, inclusive de parecer uma árvore de Natal se quisesse), e além de extrovertida, é emotiva a ponto de se tornar explosiva às vezes. Um contraponto incrível que daria muito certo, caso Scarlett não tivesse encerrado sua participação no MCU. 

Talvez a senhora devesse rever essa decisão, dona Marvel. 

Florence é vivaz, eloquente e ultra carismática. Assim como já havia demonstrado em Midsommar (leia esta crítica aqui) e outros trabalhos, ela sabe demonstrar emoções profundas com muito pouco e também passa da vulnerabilidade para a confiança com uma destreza rara. É uma atriz completa e parece ter vindo pronta, arrancando elogios e colecionando  bons papéis e boas performances - o que não é a mesma coisa - desde sua estreia ao lado de Maise Willians no drama britânico The Falling

Porque eu disse que bons papéis não significam boas performances? 

Porque há bons papéis que são interpretados de maneira somente correta, e às vezes nem isso. Scarlett mesmo é um exemplo. Há algum tempo eu achava impossível dizer que Johansson era ou viria a ser uma boa atriz algum dia. Em The Other Boleyn Girl/A Outra(2008) chegou a dar pena de como sua atuação foi completamente pífia perto da deslumbrante interpretação de Natalie Portman. Mas, depois dessa vergonha passada no crédito e no débito, Scarlett foi crescendo, surpreendendo e se tornando uma atriz incrível e uma pessoa sábia. Escolhendo bem suas participações, seus eventos, e até sua postura nas entrevistas mudou, ficou mais relaxada, e ao mesmo tempo, mais profissional e direta. Depois de assistir Lucy(2013), meu ranço virou apego. Ali percebi que a americana é uma das pessoas que aprende com os erros e quer melhorar. E como tal empenho deu certo. 

Scarlett no papel que finalmente conseguiu meu respeito e admiração sem os quais ela não poderia mais viver. 
Palavras dela, não minhas. [contém ironia]


Mas voltando ao filme.: os diálogos são muito bons, a química entre a família é perfeita, mas poderia ter sido muito melhor utilizada e desenvolvida. Porque não fizeram mais cenas de flashback? Porque não enraizaram mais na audiência essa urgência quase desconhecida dos próprios personagens que eles tinham de se reunirem de novo e acertarem as contas? Eles precisavam, de fato, assumirem o quanto aqueles três anos os aproximaram a ponto de se tornarem uma família de verdade e de as palavras de Melina para Natasha "never let them take your heart/nunca os deixe tirarem sua essência" reverberarem tão fundo nela, que a fizeram virar uma Vingadora.  
Porém, como é necessário correr com a estória, esse drama fica comprometido. Ah, mas não ficaria drama demais? Não. Competente como é essa diretora, não ficaria. Duvido que pela vontade dela, não teria sido feito assim, com a relação familiar melhor consolidada, então partiria para a ação desenfreada que só estreitaria ainda mais os laços, fazendo assim, com que o ritmo fosse mais coeso, mais coerente.

Não vou nem falar do TaskMaster/Treinador que não é o TaskMaster/Treinador porque vai ter marvete dizendo que eu não entendi a metáfora. Entendi sim. Ela poderia ter sido feita de várias outras formas, que passariam a(s) mensagem(ns) até melhor, sem comprometer o uso de um vilão com um potencial incrível que poderia ter sido tão bem aproveitado.      

Mas e o Dreykov, que é o real vilão? É só um cara mau que quer dominar o mundo! Não dá mais. Preguiça esdruxula. Sabe o que me pareceu, algumas horas após assistir ao filme? Que viajei pra um universo paralelo, e assisti o primeiro filme da Viúva Negra, nesse sim, contando sua trajetória de origem, voltando até um tempo atrás, mostrando a criação da Sala Vermelha, uma coisa épica e apoteótica, como a personagem merecia. Aí voltei para este universo, esqueci o filme na viagem de volta, e assisti uma continuação capenga do primeiro filme! Ele só não é realmente ruim graças aos atores (principalmente Scarlett e Florence) e à direção. 

Eric Pearson, Ned Benson e Jac Schaeffer fizeram um roteiro confuso que tentou ser tudo e acabou não satisfazendo realmente a nenhuma área. 

Em suma: Boas cenas de drama (graças à diretora), boas cenas de ação e lutas (graças à diretora), bons diálogos e interações (graças aos atores, principalmente Florence e Scarlett), mas um ritmo incoerente e uma estória cujas mensagens poderiam ter sido bem melhor passadas. Desperdício de dois vilões com potencial e mais um longa genérico da Colorida pra uma personagem que merecia ter sido muito mais valorizada desde o início. 


                                                                                                                  
                                                                                                                    Nota: 6.5 




🎶Essa família é muito unidaa, e também muito ouriçaadaa🎶



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Comentários

  1. 1) São pérolas para cair na risada as críticas de Yelena à poses "mostra-bunda" da Viúva Negra. Essa fixação adolescente é tão impregnada no estilo, que na versão de 2017 do Liga da Justiça o diretor da Marvel colocou uma prolongada cena de desfile de nádegas da Mulher Maravilha, do Flash e de quem passou na frente da câmera, como um bom Domingão do Faustão. Pensei "WTF!!". Porém logo veio o Snyder e "cortou" essa brincadeira. (Estou nem aí para DC vs. Marvel, até porque o MCU está muito melhor);

    2) Concordo que as cenas de luta entre Viúva e Yelena, e entre Viúva e Treinador estão entre as melhores cenas de ação feitas até hoje. Não só nos filmes de supers;

    3) Curioso você não gostar do Steve Rogers, não lembrar o multifacetado Sam Wilson, e sim o brancão, playboy pegador e magalomaníaco Tony Stark. Por quê?

    4) Muito me envergonha qualquer coisa feita com a ex-URSS que seja ridícula, sem ser minimamente verossímil. A situação da ditadura comunista era verdadeiramente tragicômica, vide Trotsky (2017) e Chernobyl (2019), porém o roteirista precisa conhecer e saber colocar no papel. Esse filme com espiões russos conseguiu ser pior que o fantasioso John Wick.

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    1. Obs.: John Wick é muito bom. Não entenda mal. Digo que a mafia russa dele e o próprio Keanu arranham um russo razoável, enquanto o balofo Alexei Shostakov só passa vergonha nas mãos dos David Harbour, meio Hellboy fracassado, meio policial bêbado.

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    2. Muito obrigada pelos comentários.

      Sobre o Capitão América, é natural relacionar com Steve e não com Sam. Não cheguei a ler muito desse personagem a quem é passado o manto e no MCU ele acabou de começar, então...e citei o Toninho por ele ser o contraponto que todos ligam ao Capitão.
      Sobre "MCU estar muito melhor que a DC" eu discordo, por um detalhe: Marvel faz "pastel" (e "pastel" vende bem), DC está tentando, por mais que a Warner atrapalhe, fazer Arte. E arte real, meu caro, poucos apreciam.

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