Rua do Medo 1994, 1978 e 1666.: Uma estória, três épocas, mil facetas.

  

Sobre a Parte 1 - 1994

Quando estava eu já na metade do primeiro filme, mesmo tendo gostado do início, com sua meia homenagem, meia chacota de Pânico e focando desnecessariamente na árvore do shopping (ter uma árvore no shopping já é insólito por si só, e quando o enquadramento se segura nela por um segundo a mais, pensei "ah pronto! Enforcaram a Bruxa nessa árvore, quer ver?!"), me pareceu que eu sabia exatamente o que veria e que seria um suplício estendido por horas que nunca voltariam, e pior, no final nada disso teria valido a pena.  

Não é só o cansaço do slasher teen que já está mais do que saturado, mas os dramas, limitações e conflitos do casal protagonista, por mais que sejam reais e sérios, são passados com a profundidade de um pires, e, de todos, logo quem deveria ser mais cativante, é a mais insuportável. Me refiro à protagonista Deena (Kiana Madeira, insossa e irritante), que parece mais uma criança birrenta, inconsequente, ciumenta e egoísta. A personagem Samantha Fraser (Olivia Welch, outra insossa) contribui para a irritação, mas numa escala um pouco menor.  

 
Que criaturas mais chatas, Pai Amado!


Graças a sábia decisão do roteiro de Kyle Killen e Leigh Janiak (que também assina uma sóbria e ágil direção), o destaque não é só delas, e seus amigos Simon (Fred Hechinger, um deleite), Kate (Julia Rehwald, maravilhosa) e o irmão nerd de Deena, Josh (o ótimo e carismático Benjamin Flores Jr) também participam de todos os atos desse primeiro filme.

Primeiro filme esse que, tem sim, muita besteira adolescente e é quase ruim pra quem já viu outros quatrocentos no mesmo estilo e gênero, mas que, além de ter várias referências nostálgicas dos anos 90 (e nisso, a trilha sonora é uma ferramenta usada sem dó nem piedade, te agarrando pelos cabelos e te arrastando pelo grunge "noventista" de hits como Creep do Radiohead, por exemplo), dá pequenos e ainda fracos mas constantes indícios de se ter algo a mais a contar do que berros, sangue e gente jovem e tola morrendo de formas mais tolas ainda. 

                             Simon, Josh (sem o qual todo mundo estaria morto na primeira meia hora) e Kate(minha preferida). 
                                      São os meus protagonistas.


O gancho do final, por exemplo, é ao mesmo tempo, instigante e causa medo de que, simplesmente acabou para a protagonista, pra quem, por mais que seja difícil se apegar de fato, você acaba torcendo que as coisas ocorram pro seu bem por ser o certo e o justo.

Por um segundo, após acabado o filme pensei em parar por aqui e nem assistir o segundo. Porém, contra todas as expectativas, respirei fundo e pensei: "agora que comecei, vamos acabar, né?!" 

Mesmo como primeiro ato de uma saga, poderia ser melhor, potencial e material (principalmente elenco secundário) pra isso tinha. Porém não é uma perda total de tempo, e, pra se ter a experiência do enredo por completo é necessário passar por ele.

Em tempo: Duas mortes, uma em especial, me deixaram/deixou muito, mas muito revoltada! 
                                                                               
                                                                                                               Nota: 5.5

                                      
Coitada da Maya Hawk, foi pra Shadyside só pra morrer


Ah sim! A fotografia é um dos pontos a favor do longa, como se percebe na foto acima.


Sobre a Parte 2 - 1978

Já sem paciência pela tenebrosa parte um, por mais refrescante que tenha sido avistar Gillian Jacobs (que sempre me lembra sua Britta, da série Community, mesmo sabendo que ela tem um extenso e variado currículo), quando uma Deena sem nenhum vestígio de ferimento (que seria impossível, dado o fim do primeiro filme) a encontra e ela narra o verão macabro de 1978, de início, me lembrei de respirar fundo e lembrar que tinha me comprometido a terminar todos os três longas, até porque meu TOC não permitiria que fosse diferente. 

Mas minha perseverança foi recompensada, pois no meio da produção que parece outra vez um festival de clichês, estereótipos e referências(que depois são subvertidas numa boa e peculiar quebra de expectativa) percebi algumas coisas e juntei com informações do primeiro filme e voilá, habemos respostas! O que poderia fazer com que o resto fosse previsível e me fizesse perder o pouco de interesse que tinha, mas teve efeito contrário. Uma vez matada as charadas e postas as peças no lugar, agora eu queria assistir tudo para ver se realmente era o que eu achava e do jeito que eu pensava, e sim, foi. 

As atuações estão boas, principalmente a de Sadie Elizabeth Sink, a Max de Stranger Things. Mas todos os outros mandam bem também. 
Difícil falar mais sem dar spoilers.  

Roteiristas dessa segunda parte:
  • Kate Trefry, Leigh Janiak, Phil Graziadei, Zak Olkewicz, R. L.Stine
Resumo.: Clichês e sanguinolência vazia sim, como no primeiro volume, mas aqui, ao invés de somente pitadas de tempero e autenticidade, ganha-se uns degraus de maturidade e desenvolvimento. Um corpo mais conciso se desenha com uma silhueta convidativa que promete uma conclusão que, ao menos, valha a pena e não seja somente tempo perdido nem uma bandeira hasteada por que está na moda. 
                                                                                              Nota: 5.5

                 Jason não tinha máscara de hóquei nem facão/serra elétrica, pegou um saco, enfuou na cabeça e um machado e tá matando o acampamento todo, eu provavelmente vou morrer, mas e daí? Dá tempo de dar uns amasso no filho do Chefe de Polícia da cidade rica, então tá tudo certo.



Sobre a parte 3 - 1666
 
Antes de começar a crítica propriamente dita, preciso falar uma coisa: não é reencarnação. A não ser que você tenha suas próprias ideias a respeito do assunto. Porque, segundo a "regra geral" é que não tinha como a Deena ser a reencarnação da Sarah porque a Sarah estava ainda muito apegada â vingança, à sede de justiça dela, ela não iria "encontrar a luz", e portanto se livrar do peso da vida em que foi injustiçada, e assim reencarnar. Ela só fez a Deena  ver o que aconteceu pelos seus olhos (assim como a C. Berman no filme anterior, e a Samantha, no primeiro, porém elas só viram flashes mais espaçados, uma boa jogada do roteiro para prender a atenção). 

Fazendo uma recapitulação de cenas rápidas, trechos de falas soltas e pequenos detalhes do primeiro filme,(como o foco de um segundo na árvore do shopping) você percebe que foi sim, com cuidado pra não entregar demais, mas também sem realmente esconder tudo desde o início pra só no fim entregar os mistérios que a trama se desenvolveu. A cidade de Shadyside e sua rival são tão vivas quanto os personagens.  

Aqui, nós vemos que, pelo reflexo na água, Sarah finalmente estabeleceu uma conexão consistente com Deena, a fim de mostrar a ela os fatos reais que levaram ao seu assassinato.

A fotografia, bem mais moderada nas saturações, mais "fria", "pálida", já demonstra que o tom nessa parte final é muito diferente dos anteriores. No que tange ao sobrenatural, tem muita relevância, com dados coerentes e bem realistas até. Mas assim como já estava claro em alguns detalhes do segundo filme, o diabo é o ser humano. A ignorância, a ganância, a covardia e a mesquinhez são os reais cavaleiros do apocalipse. 

A fotografia mais escura, num tom mais azulado e "cinza" dá um tom soturno a essa parte 3

De tanto que a vila moe o psicológico de Sarah falando através de Deena, a menina começa a achar que talvez ela seja do demônio mesmo, porque tanta gente não pode estar errada. Mas está. 


Calma, guria, tem nada de errado contigo, não!

Tudo o que se junta pra dar errado, poderia ter sido feito diferente. O destino das garotas, principalmente Sarah, e também da cidade (e no futuro, cidades) poderia ser completamente outro, se ao invés de dizerem A, dissessem B, ou de irem por um caminho, tomassem o inverso. Se uma só pessoa tivesse agido de outra forma, tudo ali mudaria para todos e para as gerações vindouras. É impressionante e assustador quando a gente pensa que cada pequena atitude, palavra e gesto, tanto dito quanto não dito, tanto exposto quanto escondido, tomado ou não tomado, pode mudar tanta coisa no curso não só da nossa própria vida, mas também repercutir em tantos caminhos.


Algumas questões ficam um pouco enevoadas, mas talvez seja mesmo para manter uma subjetividade (ou talvez eu esteja superestimando os envolvidos). Algumas perdas e danos até ali, não tem como serem reparadas ou reduzidas. No entanto, as motivações pra se deixar levar pelo mal, as engrenagens por trás da sociedade da época, e as desculpas que se dão pra que o inominável seja praticado, são tão plausíveis que com certeza mais de uma pessoa que assistiu, deve ter pensado "olha, não tá tão errado assim". Mas nesse caso, da forma acovardada que foi feita, é sim. E muito, muito errado. Quando um certo personagem diz "eu fiz o sacrifício/eu me sacrifiquei pela cidade", é pura balela, porque não houve sacrifício algum da parte dele(a), e óbvio que SE houve algum sacrifício não foi pela cidade, mas em benefício próprio. 

                              Mais um acerto da fotografia, montagem, edição e direção nesse frame


A maturidade e desenvoltura, que no primeiro são quase inexistentes e no segundo só aparecem em alguns momentos, aqui estão firmes, fortes e desinibidas. Temas já esperados como o culto a forças sobrenaturais "malignas", a relação homo afetiva e a reação tacanha e maldosa das pessoas quanto à isso são mais diretamente abordados, porém não significa que sejam jogados. Não. A condução da narrativa é inteligente, cadenciada, não há problema de ritmo (isso, na verdade, não houve em nenhum dos filmes) nem de falsa premissa. É prometido um problema com o capiroto, ele existe. E é sério o suficiente para perdurar por gerações. Todavia, a forma com que esse problema se deu, foi culpa de um ser totalmente de carne e osso. O(s) demônio(s) tava(m) quieto(s) lá no(s) canto(s) dele(s). 

A revelação de quem é a verdadeira culpa pelo fuzuê todo não é tão impactante, mas o discurso da criatura, a nítida psicopatia da pessoa e as justificativas, essas sim são dignas de nota. Porque você escuta coisas assim de pelo menos algumas pessoas com quem você conversa ou observa diariamente, a diferença é que você não percebe, e claro, o contexto. Eu achei genial, isso. Sem ironia. Qualquer um (mais ou menos) poderia ter feito aquela besteira (pra não dizer c*gada) sem volta, e dizer a si mesmo que agiu corretamente (há!).

Enfim, essa parte 3, cuja referência direta é A Bruxa (e aqui, me explico melhor sobre a minha falta de apontamentos para todas as inspirações contidas nessa trilogia: o intuito dos filmes é contar uma estória própria. Os easter eggs estão lá pra divertir e prestarem uma certa homenagem, mas não são nem deveriam ser o foco. Falei somente de Pânico no primeiro, do personagem Jason de Sexta-Feira 13 no segundo e agora de A Bruxa, porque elas são as mais evidentes e essa informação já é pertinente o suficiente) é muito mais adulta, o desenrolar é muito mais coerente e o roteiro se torna mais criterioso quanto à complexidade de personagens, causas e circunstâncias. 

Super recomendo. 
                                                                                                        Nota: 8.0
                                     



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