Mare of Easttown - Melhor série do ano?

 



Quando vi a propaganda de Mare of Easttown na HBO, pensei cá comigo: "Sério, dona HBO? Mais uma série de uma detetive durona e nada feminina que, provavelmente, tem pelo menos um trauma enorme na bagagem e faz de tudo pra descobrir quem assassinou uma adolescente numa cidadezinha caindo aos pedaços?" Todavia, por mais que parecesse um cosplay de The Killing (só pra citar um exemplo - e norte-americano, ainda. Sim, pois parece que cada país fez trezentas séries e filmes assim, e isso só na última década), dei uma suspirada com resignação e concluí meu solilóquio com a seguinte frase: "Bem, não deve ser uma canoa totalmente furada porque tem Kate Winslet e, essa mulher não entraria numa embarcação condenada, até por que, de barco afundando deve estar de saco cheio desde 1997" (Me perdoem pela piada cretina). 

 Com duração de uma hora por episódio, é, a princípio, nos dois primeiros episódios, um pouco cansativa e arrastada para uma parte do público que liga investigação à ação frenética. Mare of Easttown chega a ser contemplativa às vezes. Porém contemplativa não significa parada. A série, assim como a protagonista e a cidade em que se passa estão sempre numa ebulição silenciosa, numa calma forjada que está mais pra uma tentativa desesperada de manter o controle enquanto vê tudo a sua volta desmoronar. 

A aparência desleixada da investigadora que dá nome ao título é somente um reflexo de como ela está por dentro. E também de como tudo naquela cidadezinha, em que todos se conhecem, está definhando aos poucos, lenta e inexoravelmente. Sim, é um clichê. A série possui alguns, mas nada que desencoraje a assistir. Os acertos são bem mais profusos do que os...seriam erros? Não, não chegam a ser, seriam...descuidos, talvez.

Ambientação perfeita. Fotografia, maquiagem e edição sem falhas. E, claro, atuações e direção arrasadoras, entregam uma série que até aqui tem sido chamada de a melhor do ano por nomes como Isabela Boscov. E vai ser difícil tirar a produção da HBO desse posto. 

E porque isso? Tudo o que tem em Mare of Easttown tem em outras séries do gênero tão boas quanto. Mas não da mesma maneira, e não em 2021. Certas expectativas são quebradas logo de início. Outras são criadas e frustradas de um episódio pro outro. Em outras circunstâncias talvez tais reviravoltas e aprofundamentos soassem artificiais e com o objetivo somente de prender o espectador numa busca vertiginosa pelo assassino, e quisesse a todo custo provar que é surpreendente e inovadora. Não fiquei com essa impressão. Pelo contrário. Em obras recentes da Netflix como Quem matou Sarah e A mulher na janela, percebe-se uma sede de causar espanto e choque apelando até, em alguns casos, para a falta de bom senso e lógica (no caso da mexicana), ou, no caso da adaptação do livro de AJ Finn, a uma imitação de Hitchcock que, deveria soar como homenagem, mas fica parecendo paródia.

Na produção da HBO sobra o que faltou nos exemplos acima: coesão. Tudo é muito orgânico, e flui como um rio. Nada fica sombrio por ficar. Nenhum personagem é mal construído. Nada fica fora do lugar. 
Minto, uma coisinha ou outra causou-me incômodo. Entretanto, não chega nem perto de causar alguma mancha na já respeitável reputação da série.  

Desnecessário dizer como Kate Winslet é sensacional. Sua Mare é, à primeira vista, apática, cínica, fria, grossa, distante, enfim, intragável mesmo. Contudo, como já tenho certa experiência com tais personagens, foi só o caso de esperar como iriam ser descascadas as superfícies endurecidas da detetive e como fariam pra mostrar quais acontecimentos a deixaram naquele estado. 

É com maestria que, tanto atriz quanto direção nos conduzem para dentro da mente, e mais, da alma conturbada dela e, quando se menos percebe, você a ama e a quer protegida e feliz. 

Mas não só de Kate Winslet vive o homem. Se o resto do elenco não a acompanhasse no quilate da atuação, provavelmente a obra iria perder em muito seu potencial. Jean Smart (Frasier, Fargo, 24hrs, Watchmen) que interpreta a mãe de Mare, está tão bem quanto a inglesa. As cenas delas juntas são algumas das melhores. O mesmo vale para a australiana Angourie Rice (Dois Caras Legais - eu amo esse filme -, Homem-Aranha: Longe de Casa, Black Mirror: Rachel, Jack and Ashley Too) que interpreta Siobhan, filha da protagonista. Os embates, por vezes disfarçados, os desentendimentos e a relação turbulenta das duas tem, além do básico conflito de gerações, uma raiz extremamente dramática e a sensibilidade das atrizes para demonstrar tanto o atrito, quanto a culpa e o desconforto de ambas, é admirável. 

Se eu for apontar todos os atores que estão espantosamente bem, esse artigo só sai semana que vem, e com duzentas páginas. E ninguém quer isso. Muito menos eu. 


 Por falar nisso, acredito que já me fiz entender o quanto a série vale a pena ser assistida, apesar dos clichês e de um amarrotado ou outro. Por quê, noventa e oito por cento disso é muito bem trabalhado e desenvolvido, com atuações dignas, pra dizer o mínimo. 


Porém, antes de ir, preciso enfatizar mais uma coisinha: As reviravoltas. 
Não sou do tipo que pensa que tem que é necessário um plot twist de cair o queixo para uma trama de suspense ser boa. Acredito que é muito mais importante que faça sentido e tenha um bom argumento. Se for surpreendente, que bom, mas não é imprescindível. Nessa produção, o que não falta é surpresa, até o último episódio. E, mais uma vez, como o enredo vai se desenrolando e (quase) todas as peças se encaixando, é que dá o sabor a mais.

É isso! Resumindo a série em uma palavra: Saborosa.

                                                                                                                               

                                                     Nota: 9,0 

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