Quem matou Sara? - Paola Bracchio, que falta me fazes!


 Se você foi uma criança da década de 90, e não possuía um altíssimo poder aquisitivo, sua maior distração audiovisual era a TV aberta. E, nessa época, muitos poucos escaparam ilesos da invasão das novelas mexicanas do SBT(ou, nos casos de Chiquititas Pérola Negra, remake brasileiro de uma novela argentina). Se você chorou com Maria do Bairro no surto dando o bebê na praça, eu te entendo, também chorei. Se você admirava o caráter irrepreensível e a força de vontade de Paulina ao evitar as investidas de Carlos Daniel, compreendo. Se, por mais que você soubesse que o certo era odiar a Paola Bracchio, mas uma parte sua simplesmente não conseguisse, e no fundo, você também admirasse aquela pomba-gira despirocada, acredite, eu te entendo. 

***Se você é dos ultra nacionalistas que acreditam realmente que as novelas nacionais são o ápice da arte, e que os atores brasileiros são os melhores do mundo, e, principalmente, se não aceita opinião contrária à sua e/ou sarcasmo, sugiro pular o parágrafo a seguir, isso se já não estiver querendo socar minha cara***

O brasileiro médio a-do-ra falar mal da novela mexicana, mas, desculpe desapontar, eles são muito superiores. Porque? Por que, se for pra fazer uma história que vá durar meses e prender o público em um drama cheio de reviravoltas e testes de DNA (por favor, todo mundo sabe que toda novela tem pelo menos um teste de DNA, normalmente envolvendo uma família rica com pessoas podres e um herdeiro(a) sem um tostão mas com um coração bondoso), então que seja um Drama com D maiúsculo, que as reviravoltas sejam tantas que o espectador pense estar com labirintite, que seja exagerado, que seja...novelesco. A novela brasileira, não. A novela tupiniquim não quer ser brega, não quer espelhar o povo, e quando o faz, faz errado, forçado, e, muitas vezes fica ruim, porque simplesmente está tentando ser algo que não é. Por vezes o vilão/vilã tem todo um arco explicação do que o fez ser assim, e depois uma redenção. No México da década de 90, isso não acontecia. Não é por acaso que as vilãs são as mais lembradas. Elas eram piores que o diabo cristão. Gargalhavam com as maldades que faziam aos mocinhos e, principalmente às mocinhas, não tinham piedade de ninguém, e não se importavam com consequências, que sempre vinham, porque se tinha uma coisa certa nas novelas mexicanas antigas era que a justiça vinha a galope e não havia escapatória. Isso dava um certo alívio a uma parcela da população que não conseguia entender como um país com tanta gente, que paga tanto imposto, vive quebrado, devendo a outros países e sem poder oferecer o básico a maior parte de seu povo.

Mas já me estendi demais falando de folhetins made in México e pra quê? Pra dar a vocês o contexto de porque eu gostei de Quem matou Sara? e o por quê de, também eu compreender quem não curtiu.

Porque gostei:

Criada por José Ignácio Valenzuela, ou Chascas, roteirista e autor chileno que escreveu novelas para, além do Chile, México, Estados Unidos e Porto Rico, Quem matou Sara? tenta dar uma roupagem de thriller de suspense a uma trama de novela do horário nobre. Já nos trailers fica óbvio que se trata de uma novela querendo se passar por série(norte-americana pra ser mais específica), mas não se engane com a profusão de cenas de sexo (em demasiado), velocidade de videoclipe de uma hora pra outra, câmera lenta em excesso e tão sem propósito que lembra um pouco o Zack Snyder, e as músicas, na maioria, em inglês. É uma novela. E toda novela mexicana que se preze tem um mocinho ou mocinha injustiçado, no caso aqui são dois irmãos: Sara (numa atuação bem medíocre de Ximena Lamadrid) e Aléx Guzmán (Leo Deluglio - indo bem, até - quando jovem, e, na fase adulta, o colombiano Manolo Cardona, competente, como de costume). Sara, óbvio, morre, seu irmão é preso pelo assassinato, e passa o inferno na cadeia por 18 anos. Ao sair, tudo o que quer é se vingar e fazer justiça encontrando o verdadeiro culpado pela morte da irmã; o que é bem plausível. Aliás, tudo, na maior parte da temporada faz sentido e vai num crescendo homogêneo e coerente. As cenas de ação e suspense causam o desejado intuito de passar tensão e uma certa angústia. O drama, apesar de tentar não ficar óbvio demais, às vezes fica sim, mas, pra mim, isso não é ruim. A estória é trágica, com alguns conflitos pessoais pesando junto com o desastre central, e, é normal às vezes a gente não aguentar certos pesos e desabar no choro desesperado. A vilania é certeira. Mariana (a ótima atriz mexicana Claudia Ramirez) e César Lazscano (o nada menos que estupendo espanhol Ginés García Millán) são tudo o que vilões de novelas mexicanas tem que ser: malvados, impiedosos, soberbos, diabólicos, ruins feito a peste. Ele muito mais e mais resolutamente do que ela, inclusive com um adicional: completamente tarado. Por mais de uma vez soltei um que velho sem-vergonha, rapaz! porque, olha...Mas vou parando pra não dar spoilers.

Entretanto, e aqui eu entro no porque eu compreendo um pouco quem não gostou, a série não é perfeita. Ela é bem executada, mas, o roteiro que começa muito bem e segue assim por grande parte da temporada, peca ao ir criando sub tramas em excesso e parece ir se perdendo ao juntar todas as pontas. Talvez por isso, não se deu ao trabalho de responder as perguntas na primeira temporada. Por um lado, se tamanha confusão foi proposital a fim de prender o público à espera da resolução na segunda temporada, funcionou(ao menos, pra mim, que fiquei super ansiosa pelo desfecho). Mas, se, e eu temo muito por isso, foi somente uma tática a ser repetida em várias temporadas seguintes, bem, aí não é sequer inteligente da parte de Chascas. O público da Netflix não é o mesmo que assistia às novelas vespertinas, e certamente não terá paciência para esperar anos por um final.

Outra coisa que me incomodou foi a trajetória de Mariana Lazcano. A matriarca da família, apesar de ser sim má, hipócrita, arrogante, egoísta e ter, aparentemente, todos os atributos necessários à uma vilã, também tem um lado católico, submisso, e isso não a torna complexa ou a humaniza, só confunde, a torna patética, e é totalmente desnecessário. Elroy, seu empregado particular (ou escravo/capataz) também não me convenceu. É um psicopata, ou só um ser perturbado, fruto de traumas consecutivos que culminaram numa loucura incubada e nunca diagnosticada? O personagem foi mal elaborado, sua jornada aparenta uma tentativa mal sucedida de criar uma leitura psicológica profunda e tornar sua vida uma espécie de apêndice, uma estória dentro da estória. Não deu certo.

Uma vez ou outra, quando percebi que se tratava de uma novela mal disfarçada, esperei uma Paola Bracchio, uma Soraya Montenegro atravessar a porta, com direito a trilha sonora macabra, turbante, unhas postiças e batom vermelho vivo. Mas, logo percebi que não seria assim. Crueldade só de César e da, um pouco pálida na maldade, Mariana.

Sendo bem justa, a série é boa, mas tem falhas. Cabe a você assistir e ver se as falhas pesam mais do que os acertos. No meu caso, fica meio a meio. Gostei, mas não posso ignorar os excessos e rachaduras.

Nota:5,0

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