O Que Ficou Pra Trás (His House) - Nada é tão ruim que não possa piorar

 


Eu sei, eu sei, estou muito atrasada pra falar sobre esse filme. "Todo mundo" já assistiu. Mas eu ainda não tinha visto, e, olha, deveria ter feito isso antes.

Tenho um certo preconceito com obras que viram febre, a não ser que eu veja antes ou não saiba do hype envolvido. Caso contrário, provavelmente não acharei nada demais. Mas não, não foi (só) por isso que demorei tanto para analisar este filme. Foi um conjunto de coisas da vida. Vocês somente precisam saber, que, finalmente tive a oportunidade de assistir esse longa impactante. 

Enfim, sobre a obra:

Refugiados do Sudão, o casal Rial (Wunmi Mosaku) e Bol Majur (Sope Dirisu), está, finalmente no processo final para ser aceito pela terra da Rainha. Ainda cheios de traumas e numa melancolia profunda por todo o horror que passaram, eles vão morar numa casa (grande, porém bem desgastada, suja e mal cuidada) cedida pelo governo, com direito a somente 74 libras por semana, sem poderem sair de lá, a não ser para o que for estritamente necessário e nem com direitos a receberem convidados ou sequer terem um animal de estimação e, claro sempre a um passo de serem mandados de volta. 

Em meio a todo o estranhamento de um país completamente diferente do seu, com um povo que, em parte, não o quer por perto e considera sua presença um estorvo ao desenvolvimento do país, e uma cultura tão diferente da sua que parece até contrária, ainda lidam com uma depressão e estresse pós traumático latentes. Nos faz pensar, principalmente quando se percebe as reações de Rial, que, pra aceitar se submeter a isso, é porque todas as opções de vida no seu próprio país, se foram. Conforme os dias passam na casa nova, barulhos, sombras e uma presença estranha parece se avizinhar. 

Por serem, aparentemente, ligada aos acontecimentos que os levaram àquela situação, e também, por, principalmente no início, quase todos os "episódios sobrenaturais" acontecerem ao marido, fica a dúvida, se, na verdade, aquilo tudo não está só na cabeça massacrada de quem sofreu horrores por um tempo longo demais. Conforme a verdade vai se revelando e fatos vem nos mostrar o que realmente está ocorrendo, e mais importante, o por quê de estarem acontecendo, muitas questões são suscitadas de forma quase orgânica. Bol quer se ambientar e o faz até com um certo deslumbramento, enquanto Rial é arredia, despreza a Inglaterra, e cogita, inclusive, voltar a todo aquele horror, por não se sentir em casa nem dentro do que, agora deveria ser sua casa. Mas, de novo, aos poucos, se percebe que, não é o caso somente de "ele quer se adaptar e se adapta e ela não"(O que, na realidade, é o que acontece, por mais que, por vezes, tenha-se o fator ideológico, também, há o fator psicológico, que é, em muitos casos, inconsciente e desconhecido até para o refugiado ou imigrante). Bol precisa se agarrar à sua nova casa, nova identidade, e nova vida porque necessita urgentemente esquecer tudo o que viveu, precisa justificar sua existência naquele lugar, precisa a todo custo, apagar o passado que o atormenta. Já Rial, se apega ao que deixou pra trás por não ter como recuperar o que perdeu, e não ter como suplantar essa perda. Mas é, ao perceber, numa cena tão rápida quanto tocante e precisa, que o que se foi, se foi, e cabe a ela, agora lutar para manter o que lhe restou e conquistar uma nova vivência, que valha a pena ser vivida, que ela consegue forças para lutar e destruir tudo o que lhes anda corroendo desde que chegaram àquela casa. É em Rial, olhando em seus olhos, que Bol, finalmente, confronta a si mesmo e confessa tudo o que está lhe destruindo, ao mesmo tempo, assim, se libertando e se perdoando e sendo perdoado por, num momento de absurdo desespero ter cometido um erro terrível e inexorável.

Evidente que a presença de um ator como Matt Smith (The Crown, Doctor Who), visa alcançar um público maior e mais diversificado que, sem ele, provavelmente, não se atrairia pelo projeto. Não que o filme seja desinteressante ou algo do gênero, mas, todos sabemos, que, num longa com protagonistas negros, e mais ainda, africanos(ou de qualquer etnia diferente da norte-americana ou europeia ocidental), a rejeição automática é praticamente certa, então, se entremeia um personagem de alguma dessas etnias, até com uma certa importância, como que dizendo Venha! Temos brancos também. Embora, aqui, esse recurso seja muito bem explicado e fundamentado. As aparições de Matt não são forçadas, seu personagem só tem aparições necessárias e sua participação na vida dos protagonistas é bem justificada. Porém ao se escolher um ator do calibre de Smith (que tem, ao menos um fandom - de Doctor Who - a seu favor), fica óbvia a razão.   

Com um roteiro primoroso, fotografia impecável, ótimas atuações, uma direção acertada, que sabe usar drama, suspense, e tanto terror psicológico quanto sobrenatural, de forma quase grandiosa, e ainda consegue, sem didatismo nem subestimar a inteligência do espectador, fomentar discussões tanto óbvias (questões sobre preconceito, a situação de guerras territoriais na África, a forma como são recebidos os refugiados, entre outras) quanto mais subjetivas: sobre certo, errado, as ações desesperadas se justificam somente pelo desespero? E também, por quê não, questões espirituais.

                                                                                                                           Nota: 8,2


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